terça-feira, 29 de julho de 2008

O toque de Midas

Hoje vou partilhar convosco um texto que escrevi há alguns anos e que fui reler novamente para contemplar a minha própria evolução interior. Apesar de já não me reconhecer nestas palavras (pois não seremos hoje a mesma pessoa que amanhã, quanto mais daqui a uns anos - esperemos é que a mudança seja sempre para melhor), ainda assim considero que aquilo que quis transmitir é válido, e poderá ser útil a alguém que o leia. Basta um gesto, uma palavra, para fazermos alguém feliz. Aqui fica:


O Toque de Midas


Saímos, porta fora pela matina, com a noite mal dormida no corpo de quem tentou sossegar as angústias nas ilusões proporcionadas pelo ópio do mundo e deprimidos caminhamos em direcção à inevitabilidade da rotina e das invariantes obrigações sociais e mundanas. No caminho alguém nos grita, e com toda a injustiça do mundo, deposita na nossa figura toda a amargura de uma vida vazia sob o pretexto de um episódio de trânsito qualquer... Estacionamos. Vemos, mas ao olhar profundamente sobre o quadro que se nos pinta ao ritmo dos nossos passos na calçada, nos apercebemos do rebanho desconjuntado de seres que se atropelam em nome de uma existência cega e incompreendida. A corrupção destes seres está visível a olho nú, no entanto ninguém parece sensibilizado para a dimensão que já alcançou, tudo ganhou já um estatuto de normalidade, como se a doença tivesse que fazer da parte da vida, e nada pudéssemos fazer para a combater, impotentes, como se quando alguém morre na podridão de si próprio pudéssemos dizer "Enfim... é o mundo em que vivemos..." E sentimo-nos sós, diferentes, como se uma esfera de luz nos ampliasse a visão num mundo de cegos. A nossa sensibilidade à realidade oculta nos torna vítimas da crueldade desta selva.
Mas de repente! Sentimos algo diferente, algo semelhante! Deixamos de ver as feições das sombras de uma multidão enlameada e sentimos paz e uma atração no pensamento. Os nossos olhos vão de encontro à luz e a nossa voz interior diz bem baixinho: "Eis algo diferente e evoluído." Encontrámos uma esfera irmã. Uma só palavra, um só gesto, uma transferência de energia ao nosso ser que no cerne das sub-partículas mais pequenas se resume a isso mesmo: energia vivente. Alguém iluminado pelas verdades elementares olhou para nós e viu o nosso estado moribundo e altruísticamente decidiu dar. Aquele toque de Midas que nos dá novamente a vida, revela-se ser a nossa salvação, e nos erguemos, seguros de nós mesmos, cheios de uma felicidade interna que ninguém nota mas todos sentem, e se reflete no nosso rosto iluminado pelo Sol. E foi, para nunca mais voltar ou talvez não, e ficaram os frutos daquele gesto, e sempre que as nossas armas estiverem prestes a baixar, nos lembremos daquele pequeno toque que transportava toda a magia e fôlego do Universo. E quem sabe, se da próxima vez, o Midas não seremos nós...

Benditos aqueles que entendem as pequenas coisas que são a fundação da Vida e da natureza do Cosmos, pois esses serão os arquitectos do seu próprio Universo.

1 comentário:

rogerio franco disse...

A reflexão é tão actual quanto a corrupção Faustosa daqueles que ambicionam, ainda hoje, materializar-se em grandes nadas, pois o verdadeiro significado da vida começa na sua própria fundação, primeiro elemento da construção dela própria e até do Universo: pequenos nadas! Raios de luz.

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